segunda-feira, 10 de maio de 2010

"Amados por esse amor eterno,
pressentimos que a nossa resposta é antes de mais abandonarmo-nos.
E assim, uma sede enche a nossa alma:
sede de abandonar tudo em Deus.

[...]

É pelo dom da nossa vida
que Deus espera que em nós se tornem perceptíveis o fogo e o Espírito.
Sim, o seu amor é um fogo.
Por muito pobres que sejamos,
não apaguemos o fogo, não apaguemos o Espírito.
a muito humilde confiança da fé propaga-se como o fogo,
de uma pessoa à outra."
[Irmão Roger de Taizé]

A nossa liberdade, de homens e mulheres criados pelo Amor para amar, é o campo onde se joga o sentido da existência. A liberdade humana abre-nos infinitas possibilidades de realização pessoal e de verdadeira humanização, mas pode tornar-se também o lugar onde nos condenamos a uma vida medíocre e desfiguramos a beleza da nossa dignidade. O sentido radical da existência descobre-se e cumpre-se nas opções que, em liberdade, assumimos.  Apesar dos condicionalismos que colocam o absoluto da liberdade fora do nosso alcance, somos livres e este é dom mais excelente que Deus oferece ao ser humano, na medida em que é sinal de um amor verdadeiro, do amor d'Aquele que deixa o amado crescer e construir-se em liberdade. É comum dizermos que o Senhor tem um projecto de felicidade para nós, é comum dizermos que é necessário aderir a este projecto para encontrarmos a nossa identidade mais verdadeira e promovermos a causa da humanização da pessoa. No entanto, isto só tem um sentido concreto quando percebemos que o projecto que Deus tem para oferecer-nos é um projecto inacabado, na medida em que é na liberdade das nossas escolhas que somos chamados a dar-lhe um rosto único, irrepetível e insubstituível, moldado na estreita comunhão entre cada um de nós, o outro e o Senhor.

A prévia dissertação serve apenas para introduzir uma certeza muito pessoal: quero colocar a minha inteira liberdade na tarefa de aprender a amar, buscando assumir a vontade de Deus como pedra angular do meu caminho. A consciência da minha pobreza, da minha pequenez não me impede de desejar ser de Deus com toda a minha liberdade. E, de um modo muito especial, a minha pequenez impele-me a confiar ainda mais no Senhor, pois nunca poderei chegar a ser o que Ele é sem que seja Ele a mostrar-me o caminho; ainda mais, a caminhar à minha frente. Num tempo de particular confronto com o modo de ser discípulo com outros que não escolhi, num momento em se debatem interesses, vontades e caprichos no seio da comunidade que devo assumir como família, tenho a minha esperança na palavra do Apóstolo:

"Sei em quem pus a minha confiança"
[2 Tm 1,12]

domingo, 2 de maio de 2010

Mãe,

Precisava do teu silêncio e da tua humildade. Queria olhar o mundo e os outros com a tua atenção e ternura. Desejava que o meu rosto e a minha vida transparecessem uma serenidade alegre e confiante como a tua...

Há desafios que nos são colocados e aos quais só podemos responder pondo em questão toda a nossa vida, estendendo os nossos horizontes até ao infinito e confiando, confiando imensamente em Deus. No encontro com Ele, por entre os pequeninos passos que vou dando, descubro esta urgência em apaixonar-me cada vez mais. Viver apaixonado e não ter medo de me abandonar à vontade do Amor: não me deparo com um desafio maior.

Olhar-te, Mãe, é contemplar este desafio tornado vida e perceber que também eu posso chegar a gerar para o mundo o Deus Connosco. Ao contrário do que às vezes penso, isto não significa nem sucesso ou fama, nem poder ou influência. Como em ti, Maria, ser de Deus para dá-l'O a todos é algo que acontece no silêncio e cresce no segredo do coração inteiramente consagrado.

Estou quase certo que também não percebeste tudo isto à partida. Experimentando a perversidade do meu enorme egoísmo e a atracção permanente pelo pecado da soberana auto-sufiência, espero ir saboreando as escondidas vitórias do amor.

Não deixes que eu seja um filho mimado e preguiçoso. Todos os filhos gostam de colo e eu também. Não permitas, porém, que isso seja desculpa para não crescer. Que os teus mimos me tornem um homem que, na sua liberdade, aprendeu a escolher ir para além de si, encontrando nos outros e no Outro a realização plena da sua vida.

Totus tuus, Maria... Inteiramente teu, Maria. E teu, de Cristo...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Não existe verdadeira vida cristã sem contemplação. Entendo a contemplação como aquele simples abrir a vida ao mistério que nunca se deixa alcançar em pleno, mas que pode ser saboreado como presença viva e alegre de Deus em nós. Não se trata de uma atitude beata ou espiritualista. É, antes de tudo, a atitude de quem, não podendo compreender tudo, se abandona na confiança e se deixa surpreender pelo Senhor, na disponibilidade para ser preenchido de luz e de paz.

Hoje, pude contemplar o dom da vida de um amigo. Sentir que o dom da vida e da entrega dos outros é imprescindível para o meu caminho e assumi-lo com alegria traz-me a certeza de que a vida que recebi do Senhor é bela e verdadeiramente digna de ser amada. Ser Igreja é isto mesmo: experimentar a beleza do dom que Deus nos faz ao tornar imprescindível a presença e o testemunho dos irmãos nos passos que vamos dando, rumo àquela unidade que é a comunhão de vida com Ele. No final de mais um dia, basta-me contemplar este mistério de um Deus Amor que encarna na vida de tantos homens e mulheres para fazer brotar, no meio dos seus, o Reino da alegria, da justiça e da paz.

“Que grande é a alegria de viver,
quando se tem a Deus e só a Deus!
Como são pequenos os problemas que a vida nos apresenta,
problemas cuja solução está somente em Deus”
[S. Rafael Báron]

quinta-feira, 22 de abril de 2010

“Abraça o que Deus quer.

Oferece-lhe por entre inquietudes e dificuldades

o sacrifício da tua alma simples que, frente ao que quer que seja,

aceita os desígnios da sua providência.”

[Pe. Teilhard de Chardin, sj]

quarta-feira, 21 de abril de 2010

No fim deste dia, quero partilhar algumas coisas que me têm ocorrido acerca da vocação, nesta semana dedicada especialmente à oração pelas Vocações. Diversas situações e acontecimentos têm-me levado a procurar perceber com maior clareza esta dinâmica entre um amor que chama e desinstala e uma resposta que se concretiza precisamente na experiência mais profunda deste amor. Por vezes, tendemos a interpretar esta linguagem como se amar e ser amado fosse um doce sonho, no qual tudo nos convém e alegra, onde tudo é realização e ausência de dor.

Com muita pena minha, o amor não é nem pode ser isto, e, por conseguinte, Deus não pode querê-lo nem desejá-lo para nós. Esta “felicidadezinha” tem um leve travo a utopia, a desejo nunca concretizável, como se a vida, quando confiada a Deus, fosse um triunfal passeio de fama rumo a um horizonte bem definido e pensado por nós.


A vocação pronunciada por Deus em nós, seja ela qual for, ultrapassa os limites do que pode ser racionalizado e medido. É um verdadeiro salto no abismo, sem que saibamos qual o passo seguinte, no qual só podemos confiar num Amor que, muitas vezes, nos parecerá ausente. A resposta não é dada de uma vez para sempre, e aceitar dizer sim é confrontarmo-nos com as múltiplas resistências que vamos colocando ao projecto de Deus, é enfrentar um mistério de densas trevas que trazemos ancorado no fundo da alma.

Se ficar por aqui, quase parece que ser “vocacionado” é o pior que podemos desejar. Contudo, descobri que a beleza da eleição de Deus, que não deixa ninguém de lado, é a sua imensa gratuidade: na nossa debilidade somos acolhidos por Alguém que deseja levar-nos ao máximo do que podemos ser, Alguém que não tem medo de sujar as mãos, mas que Se dá a Si mesmo e quer comungar do que somos.
Nesta noite de trovoada, encontrei uma analogia que me ajudou a compreender um pouco mais da minha atitude diante deste Deus que ama e chama. Facilmente fico deslumbrado pela luz do relâmpago que rasga o céu e ilumina a noite, mas o forte e sonoro trovão arrepia-me e perturba a aparente calma desta hora. Assim também eu, apesar da beleza dos sinais da graça do Senhor em mim, continuo a resistir à sonora e desinquietante voz de Deus, que pede uma confiança absoluta e uma coragem firme, neste desafio de ser aquilo que Ele quer.

“Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde” [Jo 14, 27]

segunda-feira, 19 de abril de 2010

“Os amigos são a melhor forma de Deus cuidar de nós”

Abri mesmo agora o meu livro de cânticos dos Convívios Fraternos e olho esta pequena citação, escrita a letras vermelhas. Está assinada por um amigo: Fernando. Ontem tive a alegria de celebrar com ele e com muitos outros amigos e irmãos a sua Ordenação de Presbítero.


Foi um dia estranho, no qual a alegria incontida e a inquietude perturbadora foram alternando, percorrendo todos os momentos, configurando os encontros e transportando-me para o futuro, para o dia em que serei eu (se Deus assim quiser e eu também) a receber o dom de ser Padre para a Igreja e para o mundo.

É tão bom partilhar com um irmão e amigo este dom, nunca merecido, de ser escolhido e tomado pelo Senhor para ser repartido e entregue, de modo que outros sejam de Deus e tenham vida em abundância. O testemunho dos outros e, de modo especial, o do Fernando enche-me da esperança que traz a certeza de que o Senhor cumpre as suas promessas e completa o bem que Ele um dia em nós começa. Resta-me pedir um verdadeiro coração de pastor, consciente que na fragilidade do barro de que sou feito pode o Senhor derramar o óleo que, um dia, virá a perfumar toda a Casa.

No início de mais uma Semana de Oração pelas Vocações, surge o desafio de pedir ao Senhor homens e mulheres alegres, decididos, generosos e dispostos a tornarem-se sinal e instrumento do Reino que Deus preparou para toda a família humana. O meu testemunho não converterá ninguém, mas não deixará de ser sacramento da bondade e da ternura do Pai, que pode aproximar do projecto de Deus aqueles que se deixarem tocar por Ele.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"A vida humana é um caminho. Rumo a qual meta? Como achamos o itinerário a seguir? A vida é como uma viagem no mar da história, com frequência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história. Mas, para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia."
[Bento XVI, Spe Salvi 49]

Quero lembrar Bento XVI, que hoje completou 83 anos de vida. Quero trazer à memória os imensos testemunhos de vidas tornadas dom para os outros, testemunhos decididos e generosos de quem compreendeu que a vida se torna cheia de sentido quando é uma verdadeira experiência de amor. É a luz destas pessoas apaixonadas por Deus e pela beleza da vida que d'Ele recebemos que me impele a fazer-me ao caminho com uma alegria e confiança renovadas. Ontem partilhava que, um dia, alguém me disse que a minha memória seria o sustento da minha vocação... Tive a certeza disso quando olhei para trás e compreendi como Deus, através de tantos irmãos e amigos, se tem empenhado em me mostrar como vive apaixonado e como quer que eu viva assim também. 

Volto na segunda... Até lá vou repetindo, no coração, umas palavras do Pe. Teilhard de Chardin que se tornaram, desde ontem, um verdadeiro programa de vida e de fé.

Adora e confia... Adora e confia... Adora e confia... 

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Há razões para a alegria? Creio que sim. Acredito tê-las, mesmo quando o rosto se endurece, o coração esfria e assumo a minha aparente indiferença. Às vezes, tenho a impressão que se torna necessário esconder a alegria que vibra no coração, que devo protegê-la para não ser arrebatada pelas vicissitudes inquietantes dos dias que vou experimentando. Sei bem que é uma contradição, um disfarce mal resolvido para o medo de arriscar dar de mim com uma gratuidade que não tolera cálculos e medidas racionais. A alegria tem que tornar-se contagiante, deve transparecer tão claramente nas nossas vidas que mova outros à mesma experiência.


A propósito disto, acabei de ler um texto que me perturbou seriamente. Transcrevo algumas linhas, as que se mostraram mais interpeladoras da minha vida.

"Não sei bem o porquê de apetecer ficar de braços cruzados, o porquê de uma letargia quente, envolvente, que vicia. Não sei que absurdo fascínio virá da condição de couch potato, da facilidade ridícula de viver através das histórias dos outros – dos livros, dos filmes, dos relatos… Viver de sonhos, daquilo que não é; viver dos sonhos renovadamente adiados. No fundo, saber o que se tem dentro, saber o tanto que se pode ser e fazer. Mas deixar tudo o que germina ao sabor do adiar constante, ao sabor dos vários disfarces - sob os quais está e estará sempre a eternamente infundada justificação de deixar para amanhã, para mais tarde, para quando tiver tempo."
[Ana Rita Neves Lima, http://www.essejota.net/]

 A cómoda inércia que lentamente se instala e toma conta de sucessivas dimensões da nossa interioridade, que progressivamente se estende às relações e chega mesmo a pôr em causa a fé, a relação com Deus e a dedicação à Igreja é um vício. Pela minha parte, considero-me um viciado...
 
"Como ganhar coragem de ser autêntico?
Como deixar o conformismo de tantas justificações
para passar realmente a ser?

Levantar da cama e abrir as cortinas:
do quarto e do coração."

Num dia em que o sono venceu o combate entre ficar na cama e assumir o compromisso de começar o dia a louvar o Senhor com a comunidade, não há palavras mais actuais e desinquietantes...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

"Dizer o que sabemos... Damo-nos conta, quando nos dispomos a fazer a experiência, de que tudo se resume a um reduzido número de certezas.
Certezas que, para mim, são três: o Eterno é, apesar de tudo, Amor; somos apesar de tudo amados; e somos livres, apesar de tudo. Ah! Se eu conseguisse transmitir estas três certezas!"
[Abbé Pierre, Testamento]


Nesta noite, não sei muito mais que isto... Não são precisas muito mais certezas. Se conseguir que estas transpareçam a partir do meu jeito de viver, basta aprender a colocar a minha inteira liberdade ao serviço da Igreja e do mundo. Que assim seja...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Ao rever o meu dia, tentava procurar alguma coisa para partilhar, algo que hoje me tivesse conduzido a tocar a novidade e a alegria de Deus. Depressa percebi que, se pretendia encontrar momentos ou situações extraordinárias, não teria êxito neste empreendimento. Há dias ordinários, aborrecidamente vulgares, nos quais a rotina sobreposta aos pequenos caprichos não satisfeitos quase obscurecem a presença escondida de Deus no âmago da vida e do mundo. Hoje, foi um desses dias...

No entanto, permanecem em mim, com uma força especial, duas perguntas que, em diferentes momentos, escutei e assumi para mim. Partilho-as na ordem inversa à qual as escutei:

- O queremos saber?
[A pergunta de um homem da História].

- O que devemos ser?
[A pergunta de um crente ao serviço da comunidade e da comunhão].

De certo modo, a resposta da segunda questão encontra-se partindo da resposta da primeira. Aquele que adere ao desafio de escavar, remexer, reencontrar-se e redescobrir a própria história não encontrará soluções prontas a usar para enfrentrar o presente e o futuro. Ao perguntar-se o que quer saber, deparar-se-á com as opções assumidas num tempo mais ou menos remoto e que condicionaram com maior ou menor alcance o tempo presente. Da consciência clara destas opções que ultrapassam os limites do momento e configuram, à sua maneira, a história vivida por cada um, pode nascer a resposta à interrogação sobre o que devemos ser. Porque Deus não se coloca no futuro, como meta ou fim, mas faz-se a Si mesmo advento que flui da eternidade para o tempo, o discernimento da vida à luz da sua Palavra faz brilhar uma nova luz sobre o caminho que somos chamados a percorrer. 

Percebi que este caminho é, sem dúvida, um caminho que passa necessariamente pela cultura, porque a cultura humaniza. Na medida em que a cultura na qual estamos enxertados for humanizante, daremos a Deus a oportunidade de nos divinizar, de nos oferecer o dom de sermos semelhantes a Ele. A resposta ao que devo ser terei que ser eu a dá-la, nas opções diárias que, pouco a pouco, far-me-ão nascer de novo para chegar a ser aquilo que Deus é.

"Em verdade, em verdade te digo:
quem não nascer da água e do Espírito
não pode entrar no Reino de Deus.
Aquilo que nasce da carne é carne,
e aquilo que nasce do Espírito é espírito.
Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.'
O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz,
mas não sabes de onde vem nem para onde vai.
Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito."
[Jo 3, 5-8]

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sair do nosso pequeno mundo é um processo difícil e exigente. Implica crescer, amadurecer os afectos e aceitar confrontarmo-nos com os outros e com o mundo, sem que eles tenham que corresponder aos nossos desejos mais imediatos, às imagens que já construimos e que gostamos de designar "perfeição". Sair de nós mesmos é um movimento que nos provoca um medo escondido de não sermos aceites, e, no entanto, só desta forma podemos aproximar-nos do centro do mistério que é o ser humano: ser com os outros e para eles.


Ontem, não me apetecia voltar. Talvez, porque a última semana tenha sido um pequeno regresso ao meu mundo, aos hábitos confortáveis de outros tempos, aos lugares e às relações onde tenho gosto em ser mimado. Este desejo infantil, com que me vou confrontando com maior ou menor frequência, é o mesmo que me faz resistir ainda a acolher aqueles que não se encaixam nas minhas "categorias", aqueles que eu mesmo tornei estranhos ao meu caminhar.

Apesar de tudo, sei que ser de Deus traz consigo a exigência de sair de mim e entrar na dimânica de uma loucura ainda maior que aquela com que o mundo se me apresenta: a loucura do amor. A resposta à loucura de um mundo que não sabe o quer, que desconhece o lugar para onde caminha, um mundo que avança aos empurrões entre o desejo de plenitude e a necessidade de encontrar satisfações imediatas para o coração e para o intelecto, tem que passar pelo amor.

Esta consciência não nega um facto fundamental com que me deparo: estou profundamente enraizado no mundo, padeço das mesmas loucuras e opto pelos mesmos critérios, e tantas vezes tento disfarçá-lo com umas pitadas pseudo-intelectuais de cristianismo. Ainda assim, não esmorece a grande esperança que me anima: ver crescer em mim o dom de Deus, o amor que progressivamente vai dando outro sabor à vida, ao tempo e às relações. Um secreto sabor de eternidade que traz a alegria e a paz. Escutar o Senhor, falar-Lhe de mim, dos meus companheiros de caminho, do mundo, permanecer no silêncio, experimentar a amizade: é aqui que se vai consolidando a certeza da minha "cristificação", que começa desde já.

Hoje, comecei o dia a cantar... Ainda meio ensonado, as primeiras palavras que cantarolei terão sido, talvez, a expressão de um desejo palpitante no coração:

O Reino de Deus é um Reino de paz, justiça e alegria.
Senhor, em nós vem abrir as portas do Teu Reino. ~
[Cântico de Taizé]

domingo, 11 de abril de 2010



Um dia escrevi que se fosse um instrumento musical seria um violoncelo... Gosto particularmente do timbre grave, cujos acordes podem dar expressão aos sentimentos mais paradoxais do coração humano.

Ontem escutei um violoncelo. O momento era propício a saborear a presença do Senhor, que parecia querer abraçar-nos por meio daquela melodia.  Encontrar Deus nas coisas simples: sempre o senti como um enorme desafio. Nem sempre consigo fazê-lo, nem sempre sou capaz de fazer calar o ruído exterior ou interior, de me unificar na dispersão para acolher os toques da graça do Senhor. Porém, sei, porque o experimentei, que Deus não fica à espera que eu esteja preparado para Ele. O Senhor irrompe no meio das coisas mais banais para mostrar o essencial. O necessário é não deixar endurecer os sentidos e o coração, mas permanecer fiel.

"Não sejas incrédulo, mas fiel." [Jo 20, 27]

Despeço-me, por hoje, com um texto cuja mensagem gostava de viver a sério durante os próximos tempos... O trabalho da nossa santificação afinal não é um trabalho nem um esforço pessoal é apenas uma disponibilidade humilde para acolher o dom de Deus e nascer de novo em cada dia, segundo os meios que Ele escolher para moldar o barro frágil de que somos feitos.

Deixemos a Deus o cuidado da nossa santidade...

Ele conhece os meios...
Eles dependem de uma protecção e de uma operação singular da Sua Providência...
Normalmente, estes meios realizam-se sem que os vejamos...
e por isso mesmo nos desagradam...
e nunca são aquilo que esperamos...

Caminhemos em paz nos pequenos deveres da nossa fidelidade activa, sem aspirar aos grandes...
Porque Deus não se nos quer dar pelos nossos cuidados...
Nós seremos os santos de Deus, da Sua graça e da Sua Providência especial...
Ele sabe o posto que nos quer dar...

Deixemo-lo fazer...
... e sem formarmos, daqui em diante, falsas ideias e inúteis sistemas de santidade, contentemo-nos em ama-l'O sem cessar,...
Caminhando com simplicidade pelo caminho que Ele nos traçou...
E onde tudo é tão pequeno aos nossos olhos e aos olhos do mundo... [ANÓNIMO DO SÉC. XVIII]

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Na Eucaristia, hoje de manhã, houve um apelo da Liturgia da Palavra, presente quer nos Actos dos Apóstolos quer no Evangelho de Lucas, que me chamou a atenção de modo muito especial: o ser testemunha de Jesus e da experiência viver em comunhão com Ele.

Vós sois as testemunhas destas coisas. [Lc 24, 48]

Como a Palavra não permanece encerrada na letra, mas encarna na vida dos que a escutam pela acção do Espírito, o final deste dia iluminou esta dimensão que, pela manhã, me interpelou. Estive à mesa com duas pessoas muito especiais, partilhando os meandros dos diferentes caminhos percorridos por cada um e tentado perceber como crescer para uma maior felicidade. Acolher o testemunho dos outros, daqueles que implicam a vida no caminho da fé, é acolher a certeza de que Deus se torna a nossa força através dos que nos confia como irmãos e companheiros de aventura. Nesta aventura da fé não serve de nada falar de felicidade se a vida não mostrar que vale a pena empenharmo-nos nesta relação com o Senhor, cuidando dela com ternura e paciência. Esta felicidade que nasce da consciência de pertencermos a Deus, por vezes tão escondida e com aparências de fracasso ou inutilidade, constrói-se confiando no Amor e tendo coragem de optar radicalmente por colocá-lo em tudo, no segredo de um coração ainda dividido entre a vontade de se entregar inteiramente e a necessidade de salvar os próprios interesses. 

Como o Senhor não se cansa de falar-nos, mesmo no meio da nossa dispersão, termino o dia recordando as palavras que recebi, tão oportunamente, por meio de uma simples sms: 

"Mantém-te firme no que já alcançaste;
sê constante no que fazes;
não desanimes no caminho,
corre veloz, com passo leve e sem tropeçar;
que nem a teus pés o pó se apegue;
avança seguro, alegre e jovial,
no caminho da felicidade,
não acredites nem confies
em quem te tentar desviar deste propósito;
ultrapassa todo o obstáculo do caminho,
e sê fiel ao Altíssimo
no estado de perfeição
a que te chamou o Espírito Santo"
[Santa Clara de Assis]

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O que é este óleo da alegria com o qual foi ungido o verdadeiro Rei, Cristo? Os Padres não tinham qualquer dúvida a este respeito: o óleo da alegria é o próprio Espírito Santo, infundido sobre Jesus Cristo. O Espírito Santo é a alegria que vem de Deus. A partir de Jesus, esta alegria se derrama sobre nós no seu Evangelho, na Boa Nova de que Deus nos conhece, que Ele é bom e que a sua bondade é um poder superior a todos os poderes; que somos queridos e amados por Ele. A alegria é fruto do amor. O óleo da alegria, que foi derramado sobre Cristo e dele passa para nós, é o Espírito Santo, o dom do Amor que nos torna felizes porque existimos. Porque conhecemos Cristo e, em Cristo, o verdadeiro Deus, sabemos que é bom ser homem. É bom viver, porque somos amados. Porque a verdade mesma é boa.

Bento XVI, Missa Crismal, 1 de Abril de 2010

O mistério da alegria estampada no rosto do Ressuscitado persenti-o, hoje, no silêncio. Junto do Sacrário, pela manhã, bastou-me olhar o Senhor. Procurei fazer chegar ao coração o que dizia com os lábios,

Como poderá um jovem manter puro o seu caminho?
Só guardando as tuas palavras. [Sl 119, 9]

Permaneceu o silêncio, um silêncio alegre e confiante, um silêncio que é sinal da presença do Espírito do Senhor. Talvez este silêncio fosse a interpelação a não esquecer que também fui ungido com o óleo da alegria, para ser enviado a ungir os meus irmãos com esta mesma alegria, através dos pequenos gestos e palavras de todos os dias. Não sei se serei capaz. Sinceramente, não me importa sabê-lo. Quero-o com o coração, e estou certo que, se eu deixar, o Senhor far-me-á capaz...

Fica um desafio de Ressurreição, que o meu Prior fez questão de destacar no final da Eucaristia:

Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto,
onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.
Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
[Col 3,1-3]

terça-feira, 6 de abril de 2010

O Tempo Pascal é favorável a repetir uma vez mais o apelo da Igreja, na voz de João Paulo II:

Precisamos de Santos...

Creio que desvalorizamos demasiado este tempo no qual a Igreja nos propõe uma experiência mais profunda do mistério da Ressurreição do Senhor, a experiência alegre de uma vida nova, que não podemos alcançar plenamente agora, mas já saboreamos no coração, quando amamos e somos amados.

Continuamente, ao longo de dois mil anos, os cristãos – especialmente os santos – fecundaram a história com a experiência viva da Páscoa. A Igreja é o povo do êxodo, porque vive constantemente o mistério pascal e espalha a sua força renovadora em todo o tempo e lugar. A Páscoa não efectua qualquer magia. Assim como, para além do Mar Vermelho, os hebreus encontraram o deserto, assim também a Igreja, depois da Ressurreição, encontra sempre a história com as suas alegrias e as suas esperanças, os seus sofrimentos e as suas angústias. E todavia esta história mudou, está marcada por uma aliança nova e eterna, está realmente aberta ao futuro. Por isso, salvos na esperança, prosseguimos a nossa peregrinação, levando no coração o cântico antigo e sempre novo: «Cantemos ao Senhor: é verdadeiramente glorioso!» [Bento XVI, Mensagem Urbi et Orbi, 4 de Abril de 2010]

Este dia trouxe-me pequenas graças que me orientaram para a urgência de viver como alguém ressuscitado. O silêncio alegre e orante de algumas pessoas que se deram a Deus, a busca serena mas empenhada por um lugar na Igreja e no mundo de alguém que me é querido, o final de um dia que parecia não querer acolher a quietude e a escuridão da noite, foram sinais de uma vida diferente... Houve rostos, próximos ou distantes, que deixaram transparecer traços de Ressurreição, rostos alegres e decididos, vidas que não têm medo de avançar no desafio de procurar Deus...

A santidade da Igreja começa aqui, na coragem de querer ir mais longe e mais fundo, na confiança de quem sabe que o amor do Senhor Ressuscitado é maior que a pequenez das nossas hesitações e limites. Preciso de querer começar a ser santo. Disto depende também o crescimento do Corpo, no qual, em união com os irmãos que me deu o Senhor, se vai gerando o Cristo total, o mesmo que me dá vida ao chamar-me pelo nome...

Precisamos de Santos sociáveis, abertos,
normais, amigos,
alegres e companheiros.


Precisamos de Santos que estejam no mundo;
e saibam saborear as coisas puras e boas do mundo,
mas que não sejam mundanos. [João Paulo II, Carta aos Jovens]

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.»" Lc 1, 38

Estas palavras deram início a uma nova história. Uma história que geraria o Homem, na verdadeira medida do seu significado pleno. Foram a resposta pronta de uma jovem de Nazaré a um desafio inaudito: fazer brotar no meio da humanidade a Palavra de Deus feita rosto, palavra e gesto humanos. Não tenho a certeza de que Maria conhecesse a enormidade da sua resposta quando disse ao Anjo o seu "faça-se em mim"... Contudo, estas primeiras palavras da nova humanidade definiram um caminho concreto, traçaram uma linha de intenção para os novos homens e mulheres: acolher o dom de Deus, tornando-o vida na experiência exigente da existência...

Este desafio sinto-o também em mim... Por vezes, parece-me escutar a voz do Senhor que me pede apenas uma resposta configuradora de um caminho partilhado com Ele, que rasgue os meus pequenos horizontes e os estenda para além dos limites do espaço e do tempo. Hoje, não creio que Deus precise dos meus sacrifícios, das minhas intenções de santidade e pureza, das minhas orações bonitas ou das aparências de bem e conversão.
Persinto o Senhor a pedir-me mais, imensamente mais... Mas um mais que é também menos: menos aparência, menos auto-sufiência, menos extensas listas de atitudes que terei que assumir. No meu tempo e no lugar em que estou agora, Deus pede-me que viva com intensidade os meus dias, que coloque o coração naquilo que faço e digo, saboreando por dentro as graças que Ele quiser conceder-me.

Aqui, gostava de partilhar esta experiência de viver com o coração desperto para acolher o dom de Deus, neste que é um desafio verdadeiramente eclesial. Deus deixa-Se mesmo encontrar e tocar no caminho para o outro: ser Igreja é também responder com entrega confiante à Palavra do Senhor, que fala e age na vida dos seus filhos, para que outros sejam de Deus... Vem-me à memória a Palavra de Jesus que desejo que configure a minha experiência de fé e de vocação:

por eles totalmente me entrego, para que também eles fiquem a ser teus inteiramente, por meio da Verdade (Jo 17,19).

No meio da fragilidade que me é tão própria, por entre as vicissitudes da minha história, quero deixar que seja o Senhor, na força do seu Espírito, a repetir persistentemente no meu coração a resposta do amor:

faça-se em mim, segundo a tua Palavra...


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

«Em cada chegada, uma partida»...



Completam-se hoje dois anos que nasceu o Amor de Deus repousa em mim... Foram dois anos em que muita coisa mudou em mim e naqueles que foram partilhando o meu caminho. Foi, sobretudo, um tempo de amadurecer as decisões que definem a minha vida e de procurar ser verdadeiro com as escolhas que fui fazendo, diante do projecto que um dia descobri que Deus tinha para mim. Aqui, fui deixando alguns pedaços do que vivi por dentro, entre a alegria e o deslumbramento ante Deus e a vida, as dores de crescimento e as fragilidades que me são próprias... 

Hoje, sei que há um tempo para nascer e um tempo para morrer, um tempo para fazer brilhar a Luz diante de todos e um tempo para experimentá-la, em segredo, no coração e na vida. É por isso que este espaço chega hoje ao fim...

A todos os que foram passando por aqui agradeço as partilhas que fizeram, o que deram de si e me ajudou a crescer, ou simplesmente o silêncio do encontro com Deus... Foi ter-vos a todos por perto... E como em cada chegada há uma partida, espero poder estar convosco em breve, talvez num outro espaço, não muito longe daqui. Por agora, permanecerei em silêncio, descansando sob o olhar amante d'Aquele que um dia me fascinou com o seu jeito de amar e servir....

[O blog ficará online por mais algum tempo, até sair definitivamente de circulação...]

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010



«Ao encontrar o amor de Deus em Cristo, o homem não experimenta apenas o que é verdadeiramente o amor; experimenta ao mesmo tempo de modo irrefutável que ele, o pecador e o egoísta, não tem verdadeiro amor. Experimenta duas coisas numa só: a finitude criatural do amor e o seu empedernimento culpável.

[...]

Mas a partir desta "pré-compreensão" [do que é o amor] ele não chega, sem uma conversão radical, ao reconhecimento deste sinal: conversação do coração que, na presença deste amor, deve confessar que ainda nunca amou; mas conversão também do pensamento que, nesta situação, deve reaprender o que é simplesmente o amor.

[...]

Diante do Crucificado, torna-se manifesto o egoísmo profundo, inclusive, daquilo que nos habituámos a designar como amor; interpelados com seriedade suprema, dizemos não onde Cristo disse sim por amor; e, despreocupadamente, dizemos sem amor que sim, que ele carrega com os nossos pecados: só nos pode convir que ele o faça! Eis porque Deus não exige aos pecadores o seu acordo acerca da Cruz; só aquele que ama é intimado a dizer sim ao que há de mais terrível, a morte do amado

Hans Urs von Balthasar, Só o Amor é digno de Fé

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010


Não é comum parar para olhar a minha existência e descobrir-lhe um sentido radical, ainda que, à partida, julgue já ter feito uma síntese vital. Na verdade, a maioria dos meus dias são experimentados como um contínuo empurrão entre aquilo que devo fazer, dizer, esperar e ser, e a complexidade de relações, acontecimentos, sucessos e fracassos, dúvidas e esperanças que preenchem o meu caminho. Dividir a vida em pequenos compartimentos estanques, distintos e bem definidos e dar a cada um a atenção e cuidado devidos não é uma opção com sentido, na medida em que não me permite perceber-me como um ser uno e total; contudo, é assim que, demasiadas vezes, experimento a existência.

Sem perceber claramente que sou uma totalidade, não chegarei a perceber a medida com que sou amado por Deus, pois não existe amor que não ame a totalidade do amado. Experimentar o amor criador e libertador de Deus somente nos lugares que me parecem dignos de ser amados, apenas nas dimensões que eu ou os outros consideramos autênticas e belas é não saber ser amado.

Hoje, gostava de olhar-me e encontrar uma unidade viva e consciente de receber a vida como um dom, no amor. Enfrentar o presente numa dinâmica centrífuga e dispersante não é a atitude de alguém que quer aderir todo ao desafio da fidelidade. A clarividência com que se descobre os escombros e as ruínas de egoísmo e de morte deixados no coração e na inteligência é certamente o primeiro sinal da exigência evangélica da conversão, mas não basta. É preciso aprender de novo a esperar e a confiar, é preciso a determinação de quem quer sobreviver à clausura dos limites e fragilidades do ser humano, para acolher o advento de um Reino, que ultrapassa radicalmente os sonhos e desejos fúteis e tacanhos.

Preferir o Reino de Deus é, neste mundo, uma opção exigente; preferir o Reino e a sua justiça é colocar-se no último lugar e daí levar a luz do Evangelho à massa desorientada dos homens e mulheres que permanecem inertes nas trevas. Chega a hora, e já é, em que só o Espírito de Deus pode suscitar em mim a coragem de abandonar-me inteiramente à missão que o Senhor quer confiar-me, e a confiança na promessa vitoriosa do amor. Sei-me frágil, radicalmente frágil e impotente perante a escuridão que, por vezes, irrompe nos meus dias e me tolda o olhar, endurecendo o meu coração pobre.

Sei que sou chamado a ser sinal de contradição. Apesar de todas as perseguições, de todos os insultos, de todas as mentiras e traições, de todas as lágrimas e solidão, quero-o e desejo-o, hoje, com todas as energias vitais que fervilham aqui dentro. Não pelas minhas capacidades ou aptidões, não pelos méritos académicos e pelas palavras bonitas que possa dizer, não pelo poder e pela autoridade, não pelas opiniões ou ideias mais ou menos coerentes! Simplesmente, pela minha pobreza e pela graça do Senhor, pois quando sou fraco então é que sou forte… Do meu lugar e do meu tempo, daquilo que sou aceito deixar-me tornar sacramento do Crucificado Ressuscitado, sinal e instrumento do amor misericordioso, da comunhão na unidade, da consolação na compaixão. Não tenho a certeza de ser capaz, mas permaneço certo que Ele será fiel e isso me basta.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010




Meu Senhor e meu Tudo,
hoje, restam-me poucas coisas
para possuir como próprias…

O mundo questiona a minha preferência pelo Reino;
a minha consagração é sinal de contradição;
a primazia do amor questiona a primazia do meu egocentrismo;
não compreendo demasiadas coisas,
diante das quais só sou capaz do silêncio;
a fidelidade que me pedes é posta à prova,
a cada momento.

Hoje, Jesus, resta-me uma única certeza:
Sou Teu,
agora e nos dias que hão-de vir,
nas palavras pronunciadas e nas palavras caladas,
nos gestos de amor recebidos e doados,
nos momentos em que hei-de de sentir-me cheio de Ti
e naqueles em que apenas reste o vazio e a ausência,
nas lágrimas alegres da gratidão
e nas lágrimas amargas da dor e da solidão,
no olhar, no sorriso, no jeito
com que Te aproximas, de mansinho,
por meio daqueles que me deste
como irmãos e companheiros,
nesta peregrinação de regresso a Casa.

No desafio da existência,
bastas-me Tu e o teu amor.
Leva-me aonde for da tua vontade
e, como neste dia fui dado à luz do mundo,
seja gerado, no teu Coração
para a vida de Deus…

Sou Teu, inteiramente Teu, Deus fiel e transbordante em misericórdia.

domingo, 17 de janeiro de 2010

"Tu serás a alegria do teu Deus"...




«Seria necessário também um paciente esforço de educação para aprender ou então reaprender a saborear simplesmente as múltiplas alegrias humanas que o Criador coloca, já agora, ao longo dos nossos caminhos:

...alegria exaltante da existência e da vida;
...alegria do amor honesto e santificado;
...alegria pacificadora da natureza e do silêncio;
...alegria, por vezes austera, do trabalho feito com diligência;
...alegria e satisfação do dever cumprido;
...alegria transparente da pureza, do serviço e da partilha;
...alegria exigente do sacrifício, etc.

O cristão poderá purificá-las, completá-las e sublimá-las: mas ele nunca as deverá desdenhar. A alegria cristã supõe uma pessoa capaz de experimentar alegrias naturais. Foi a partir destas, de facto, que muitas vezes Cristo anunciou o Reino de Deus»...

(...)
«Esta alegria de permanecer no amor de Deus, começa já aqui, a partir deste mundo. É a alegria do Reino de Deus. No entanto, ela é concedida enquanto se percorre ainda um caminho íngreme, caminhada que requer uma confiança total no Pai e no Filho e, ao mesmo tempo, uma preferência dada ao Reino

Papa Paulo VI, Exortação Apostólica "Gaudete in Domino", 9 de Maio de 1975

sábado, 16 de janeiro de 2010

Entrar na Festa da Aliança...




Ainda não chegou a minha hora” (Jo 2,4) … Ao dizer isto à sua Mãe, Jesus tinha consciência que a sua hora não era aquela, que o momento de cumprir totalmente a vontade do Pai chegaria mais tarde, mas ainda assim realiza o sinal de Caná.

Por vezes, sou tentado a deturpar esta frase do Senhor para usá-la segundo as minhas conveniências: «Ainda não chegou a minha hora, quando for assim, quando tiver aquilo, quando me sentir daquela maneira, aí serei feliz, aí agirei em favor dos outros, aí entrarei numa relação de fidelidade com Deus»... Contudo, sou chamado a seguir Jesus e, como Ele, devo estar, desde já, disponível para dar-me, para servir, para aprofundar a minha intimidade com Deus e as relações humanas. Não devo esperar que estejam reunidas quaisquer condições, não devo esperar ser perfeito para me fazer ao caminho. Hoje, devo compreender que estou a crescer na experiência da comunhão com Deus e com os que recebi como irmãos, em Cristo. É agora que devo procurar a santidade, é desde o espaço e o tempo em que vivo, com as pessoas que partilham o meu caminho, que tenho de atrever-me a ser santo…

O Evangelho do próximo Domingo (Jo 2,1-11), ao apresentar a imagem das bodas de Caná, interpela-me a entrar na Aliança com o Senhor:

…assumindo com confiança o desafio da fidelidade.

…sabendo que o Senhor utiliza aquilo que aparentemente não tem utilidade, para dar vida e alegria (como fez com as vasilhas de pedra…).

…esperando que seja Deus a dar-me o vinho melhor, não indo eu procurá-lo em qualquer lugar.

…procurando os sinais da sua glória no mundo e nos outros, tentando tornar-me também eu num sinal da novidade do Evangelho, para que muitos acreditem.

…aprofundando a minha fé n’Aquele que pode dar-me a verdadeira alegria, se me deixar cativar por Ele.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010



«Ó meu Cristo amado, crucificado por amor,
eu quisera ser uma esposa para o Vosso Coração,
quisera cobrir-Vos de glória,
quisera amar-Vos... até morrer de amor!

Mas sinto a minha impotência
e peço-Vos para me «revestirdes de Vós mesmo»,
identificardes a minha alma com todos os movimentos da Vossa,
me submergirdes, me invadirdes, Vos substituirdes a mim
para que a minha vida não seja senão uma irra­diação da Vossa.

Vinde a mim como Adorador, como Reparador e como Salvador!

Ó Verbo Eterno, Palavra do meu Deus,
eu quero passar a minha vida a escutar-Vos,
quero ser intei­ramente dócil para aprender tudo de Vós.

E depois, através de todas as noites,
de todos os vazios,
de todas as impotências,
eu quero fixar-Vos sempre
e permanecer sob o esplendor da Vossa luz.

Ó meu Astro adorado, fascinai-me
para que eu não possa mais sair da Vossa irradiação.
Ó Fogo devorador, Espírito de Amor, «descei sobre mim»,
para que se faça na minha alma,
como que uma incarnação do Verbo.»
Beata Isabel da Trindade, ocd
 
Meu Deus, meu Senhor e meu Dono, Irmão Amado... FASCINA-ME...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010



"Levantas os olhos para me olhar assim,
procuras cá dentro onde me escondi
e eu tenho medo, confesso, de dar
o mundo onde guardo tudo o que mais quis salvar.

Tu dizes que não há outra forma de ficarmos perto,
não há como saber se o caminho é o certo,
só pode voar quem arriscar cair,
só se pode dar quem arriscar sentir.

Abraça-me bem..."

Mafalda Veiga, Abraça-me bem

«Tende confiança. Sou Eu, não temais.» (Mc 6,50)

O Senhor sabe o que faz. Experimento esta certeza, ao confrontar a minha vida com o Evangelho, que a Igreja reparte durante esta semana. Hoje, a Liturgia apresenta-nos Jesus a enviar os discípulos sozinhos para a outra margem do lago, depois do grande sinal da multiplicação dos cinco pães e dois peixes. Ele permanece mais algum tempo com a multidão e retira-se, depois, para falar a sós com o Pai. Os discípulos, ainda fascinados pelo milagre, depressa se vêm no desespero de uma tempestade ameaçadora. No entanto, Jesus sabe que eles precisam da sua presença e vem, caminhando sobre as águas, ao encontro dos seus amedontrados amigos. O medo toldou-lhes de tal modo os sentidos que julgam ver um fantasma e será necessário que ressoe a voz do Senhor para acalmar a tempestade no coração dos discípulos...

Nestes dias, sinto-me a experimentar na minha carne esta Palavra. Eu também estive lá, também vi a multiplicação, não a dos pães e dos peixes, mas a da fé e do amor. Também me deixei adormecer na doçura dos dons de Deus e quis saboreá-los de qualquer maneira, no imediato, quando sei bem que o dom só existe para ser novamente doado. Foi por isso que o Senhor me mandou que navegasse até à outra margem da fé e da esperança, num barco frágil, tolhido pelas vagas do mar e açoitado pelo forte vento. É assim que Ele me vai ensinando que não devo assumir egoisticamente os seus dons nem usá-los para sucessos fáceis ou triunfos vazios; é assim que, demoradamente, vou compreendendo que devo enfrentar a realidade com um olhar de amor e esforçar-me por humanizar este mundo, que também é dom... Então, o Senhor vem. Na escuridão da tempestade os meus fantasmas tomam conta do meu entendimento, da minha memória, da minha vontade e sinto-me abandonado aos seus caprichos; julgo até ver no Senhor, que vem, os fantasmas que me atormentam e, por vezes, vou vivendo assim, como se Ele não passasse de um fantasma. Mas a Palavra é viva e eficaz. A voz do Mestre comunica a paz, reunifica as partes dispersas do meu coração e envia-me de novo a repartir a minha vida e a minha alegria pelo irmão... É o desafio da confiança, para o qual é necessária a coragem de agarrar com força a sua mão, mesmo quando não vemos para além da confusão. Hoje, o chamamento que o Senhor me dirige pede somente que eu me disponha a escutá-l'O e que acolha na minha dispersão a sua Presença viva.

Quando decidir dar espaço ao silêncio, eis que virá o Senhor e à sua voz terei vida, para repartir por todos...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010




Eu queria ter amarra nesse cais
para quando o mar ameaça a minha proa,
E queria vencer todos os vendavais,
que se erguem quando o diabo se assoa.

Tu querias perceber os pássaros,
Voar como o jardel sobre os centrais,
Saber por que dão seda os casulos,
Mas isso já eram sonhos a mais.

Conta-me os teus truques e fintas:
Será que os "Nikes" fazem voar?
Diz-me o que sabes e não me mintas,
ao menos em ti posso confiar.

Agora diz-me agora o que aprendeste
De tanto saltar muros e fronteiras.
Olha para mim e vê como cresceste
Com a força bruta das trepadeiras.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

«Quem ama faz-se próximo e cresce numa relação livre e libertadora, e vive de verdade! A aventura de uma vida verdadeira leva-nos a dar a vida pelos nossos, uma dádiva que – mais do que um momento quase mágico da nossa história – se concretiza no quotidiano suceder de ventos das estações
Gonçalo Castro Fonseca, http://www.essejota.net/

Surpreende-me sempre o teu jeito de amar, que me ultrapassa e me deixa de novo totalmente seduzido. Não precisas de palavras. Basta que me olhes profundamente, com aquele olhar que sonda o coração e me deixa desarmado, que me faz sentir livre para me dar todo, até ao fim. Não esperava que viesses assim e me deixasses de coração dilatado e transbordante. Esperava dar e, afinal, só recebi...

Ali estavas Tu, no sorriso confiante de quem descobriu o rumo da felicidade, no olhar deslumbrado de quem teve a coragem de entrar na relação contigo, nas lágrimas de quem se sentiu perdoado e recriado, no entusiasmo de quem compreendeu que a vida se ganha quando é doada e entregue para que outros tenham vida. Já tinha esquecido a ternura do primeiro olhar com que me cativaste e a alegria do encontro em que pediste a minha vida pela Igreja e pelo mundo. Foram eles, repletos de vida e sedentos de sentido, com as suas histórias e a sua busca interminável por uma vida que valha a pena viver, que renovaram em mim a alegria da primeira hora. Há muito que não me sentia tão cheio de vida e, ao mesmo tempo, tão indigno dos dons que recebo do teu Coração.

Aqui estou. Pequenino, como a criança que dança de alegria no colo do Pai, sabendo-se amada e querida, desde sempre e para sempre. Faça-se em mim, segundo a tua Palavra. O meu coração em festa só deseja entregar-se mais e mais nas tuas mãos e perder-se na experiência transfigurante do teu Evangelho. Porque «ao estar ante Ti, escutando a tua voz, todo o meu ser vibra de amor». Hoje, sei que «não posso nem quero viver sem o teu amor». Desde agora, tenho uma só certeza: «sem estar junto a Ti, não posso nem quero viver»...

Tu sabes tudo. Meu Jesus, Tu sabes bem que eu Te amo...

______________________________________________________
Ao CF 1122. A todos vocês que dilataram o meu coração e fizeram jorrar para mim as fontes que correm do Coração do Deus que é Amor... Em comunhão...