segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


- 4º Dia da Novena de N.ª Sr.ª da Purificação, 27 de Janeiro de 2014 -

A Virgem Maria,
Rainha e Mãe de Misericórdia


N.ª Sr.ª da Purificação
Venerada no Seminário Maior de Évora

                   Caros Irmãos,
            Contemplar Maria como Mãe de misericórdia é, para mim, particularmente significativo. A consciência de que a fragilidade que experimentamos todos os dias, como homens feridos pelo mal e pelo pecado, é acolhida, com imensa ternura, no Coração de Maria enche-nos de consolação e pode capacitar-nos a confiar na misericórdia de Deus Pai, manifestada no amor crucificado de Jesus. Neste sentido, Aquela que é invocada como Refúgio dos pecadores surge diante de nós como Mãe atenta e solícita, que nos convida a colocar nas suas mãos não só as nossas alegrias, anseios e esperanças, mas também o nosso coração ferido e contrito, os nossos fracassos e o nosso desânimo, ao compreendermos que nem o mundo, nem os outros e muito menos nós próprios somos aquilo que Deus quer que cheguemos a ser. Ainda assim, a Mãe de misericórdia transmite-nos a certeza de que nenhum dos nossos pecados, nem mesmos os que mais nos ferem e repugnam, pode anular o dom do amor misericordioso do Pai que nos recria como novas criaturas, à imagem do seu Filho.
            O texto bíblico que escutámos (cf. Lc 1,46-55), repetido por nós ao entardecer de cada dia, refere duas vezes a misericórdia de Deus. Na primeira vez – a sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem – Maria compreende-se dentro do dinamismo de uma história de misericórdia, empreendida por Deus em favor do homem, que se inicia nos nossos primeiros pais e se entende até cada um de nós, e cuja plenitude acontece quando, no seio imaculado, o Verbo de Deus assume a nossa natureza humana para a redimir. Na segunda vez – acolheu a Israel seu servo, lembrado da sua misericórdia – Maria contempla o coração misericordioso de Deus que, apesar da infidelidade do seu povo, continua fiel às suas promessas de salvação. Deste modo, no seu Magnificat, a Virgem canta a vitória do amor de Deus que subverte as lógicas e os esquemas humanos e desmascara o egoísmo daqueles que vivem apenas para si mesmos e para os seus interesses mesquinhos e limitados.
            Tendo em conta o que dissemos, podemos perguntar-nos então: que tem, hoje, a Mãe de misericórdia a dizer a cada um de nós, que vivemos uma fase decisiva da nossa vida, na formação integral para o serviço da Igreja e do mundo, no ministério sacerdotal? Em primeiro lugar, somos convidados a olhar a nossa própria história, com os seus dramas, mas também com o que de bom e belo a constitui, para vê-la inserida nesta história de misericórdia, na qual Deus Se oferece a Si mesmo, em Jesus, para nos libertar daquilo que nos desfigura e destrói. Neste sentido, também nós podemos fazer da nossa vida e, particularmente, dos pequenos gestos quotidianos, um cântico novo que enaltece o Senhor pelas maravilhas da sua misericórdia e, deste modo, dar testemunho de um amor que nos resgata daquilo que de mais escuro e destruidor trazemos em nós.
Por outro lado, Maria lembra-nos que a misericórdia do Pai é um dom demasiado precioso para que a transformemos numa desculpa para a nossa preguiça ou a nossa tibieza. Porque nos ama, a Mãe de misericórdia incentiva-nos a recusar essa caricatura de amor que não passa de um subterfúgio, tão próprio da mundanidade do demónio, para vivermos apenas centrados naquilo que nos satisfaz, numa atitude de autojustificação que pretende convencer-se que o mal não é assim tão mau e até pode chegar a ser bem.
Por fim, podemos dizer que a experiência de nos sentirmos acolhidos pela misericórdia de Deus, que se manifesta também na compaixão maternal de Maria, deve levar-nos a uma atitude misericordiosa para com aqueles que cruzam o nosso caminho. Por experiência própria, sei que, quando não nos deixamos perdoar pelo amor de Deus, seja por orgulho ou por vergonha, impedimos que esse amor nos capacite para a compaixão perante as fragilidades e os fracassos dos irmãos. Ainda assim, contemplar Maria, que junto à cruz partilha as palavras de perdão do seu Filho crucificado para com aqueles que não sabem o que fazem, pode ajudar-nos a adquirir os sentimentos de misericórdia, mansidão e humildade, tão próprios do Coração de Jesus. Neste sentido, ousaria dizer que a santidade do nosso ministério como pastores da Igreja de Deus, depende, em grande parte, do modo como exercermos a nossa missão como mediadores do amor misericordioso do Senhor, testemunhado nos gestos sacramentais, no anúncio da Palavra e no serviço à comunhão.
Termino com uma breve oração, dirigida pelo Beato João Paulo II, no final da encíclica Veritatis Splendor (cf. VS, nº 120), a Maria, Rainha e Mãe de misericórdia, Aquela que recebe no coração os nossos fracassos e fragilidades e nos oferece Jesus Cristo, o dom da misericórdia do Pai:

Ó Maria, Mãe de misericórdia,
velai sobre todos
para não se desvirtuar a Cruz de Cristo,
para que o homem não se extravie do caminho do bem,
nem perca a consciência do pecado,
mas cresça na esperança em Deus «rico de misericórdia» (Ef 2, 4),
cumpra livremente as boas obras por Ele de antemão preparadas (cf. Ef 2, 10)
e toda a sua vida seja assim «para louvor da Sua glória» (Ef 1, 12).


Alberto Martins

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Porque os ídolos que adoramos no lugar de Deus têm pés de barro, porque facilmente os mascaramos sob algum disfarce conveniente, porque, afinal, a vida tem de orientar-se para Alguém que lhe dê sentido e beleza verdadeiros, e finalmente, porque a aprender a amar é uma experiência feita em e com Deus, deixo aqui estas palavras do Santo Padre que puseram em causa a minha vida desde a primeira vez que as li... 
 
«Revela-se deste modo a realidade enganadora do ídolo: ele é pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gerir com as próprias forças, ao qual se pode aceder a partir de si mesmo e da própria força vital. A adoração do ídolo, em vez de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço limitado do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom recíproco, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesmo. E o engano é tal que, adorando o ídolo, o homem se encontra obrigado a gestos extremos, na tentativa ilusória de o submeter à própria vontade.
 
[...]
 
Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, no nosso tempo, os regimes totalitários e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, escravizando-o. Em segundo lugar, a finalidade primária da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma o nosso coração e nos torna capazes de ver Deus e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o próximo.
 
[...]
 
Então, a autêntica adoração de Deus consiste em dar-se a si próprio a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a autêntica adoração de Deus não destrói, mas renova e transforma. Sem dúvida, o fogo de Deus, o fogo do amor consome, transforma e purifica, mas precisamente por isso não destrói mas, ao contrário, cria a verdade do nosso ser, volta a criar o nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e em verdade.»
 
Bento XVI, Audiência Geral de 15 de Junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Volta, Senhor, e toma posse daquele que é Teu...

Mais do que tudo, odeio
Tantas noites em flor da Primavera,
Transbordantes de apelos e de espera,
Mas donde nunca nada veio.
Sophia de Mello Breyner Andresen

Há algum tempo que deixei de esperar a presença d'Aquele que é o Senhor do meu tempo e da minha história... A Sua presença tornou-se ausência e abandono, o jardim bem irrigado converteu-se em árido deserto. Queria beber das fontes do Seu Coração, mas a sua água não chega até mim. Procuro os Seus sinais em vão, tento chegar até Ele mas não O encontro. Permanecem apenas o vazio e a desolação... E tudo isto torna mais forte o sentimento que me preparo para dar aos outros o que não tenho e a insegurança de um dia ter de apontar caminhos que eu mesmo não estou disposto a percorrer.  Hoje, não sei qual o melhor caminho, nem compreendo como encontrar a saída deste escuro labirinto que encontro em mim...

No fundo, só queria a oportunidade de ser feliz. Só queria saber o que Deus espera de mim e ter força para realizá-lo ou deixar que o Senhor o realize em mim. Quero esperar que o Deus fiel cumprirá as suas promessas, ter a certeza que Ele não me deixará abandonado. Só sei que não quero nem posso acordar todas as manhãs e não ter um motivo para me levantar e olhar a vida, na sua beleza e verdade... Só sei que é de noite e mesmo as pequenas estrelas que ainda brilham  me vão recusando a sua luz...

Volta, Senhor... Toma posse daquele que é Teu...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Quando vou decidir-me a deixar que o Senhor seja o meu Deus?

Escrito em Évora, a 13 de Maio de 2011... É sobre a minha busca pessoal de sentido, sobre as perguntas fundamentais com que me confronto hoje e para as quais tardo em encontrar resposta...

Não haverá um lugar seguro, um paraíso perdido para onde possamos fugir quando parece que a vida já não pode trazer novidade e que tudo o que construimos está destinado ao fracasso?
Tenho tido a persistente sensação de que preciso de recomeçar tudo, de sair do ritmo instalado e estéril, de me evadir de todos os esquemas pré-concebidos com que já formatei as relações e a realidade. É como uma ânsia desesperante de novidade e liberdade, nas quais já não tenho de procurar a atenção dos outros nem mendigar o seu amor. Tenho sede de vida em verdade, da beleza que permanece encerrada no íntimo do mundo, do amor que não desilude nem domina...
No fundo, sei que a resposta posso encontrá-la no Coração de Deus, se me dispuser a repousar n'Ele, a permanecer ancorado ao seu Amor, cheio de novidade e ternura...

Quando vou desejá-lo?

E mais, quando vou decidir-me a deixar que o Senhor seja o meu Deus?

terça-feira, 31 de maio de 2011

Escrito em Évora, a 13 de Junho de 2010... Faz sentido, talvez mais agora do que quando o escrevi...

"Não cairás no abismo do nada,
mas no abraço seguro de Deus
cujo amor curará todas as tuas feridas."
H. Nouwen

Quem decide empenhar-se neste caminho de ser inteiramente Teu, meu Bom Deus, não pode fechar os olhos à fria e cruel solidão que, por vezes, irrompe por todos os cantos escuros do coração e da inteligência. Nesta noite, sinto o leve passear da solidão pelos meandros frágeis do que sou, murmurando o seu triste canto, que excita o sentimento e endurece a vontade. Oiço-a falar-me de velhos sonhos, recordar-me rostos passados e sei que quer fazer-me crer que não podes levar-me a parte alguma. Ela diz-me que morrerei estéril, caído no vazio, vergado sob o seu peso que não deixará de crescer.

Apesar de tudo isto, eu sei que és maior que a minha solidão. Tenho a certeza que permaneço fielmente guardado no Teu Coração, amado e querido para sempre. Sinto que continuas a falar-me ao coração nas vozes de tantos homens e mulheres que partilham os meus dias e o meu viver. Sei que não deixas de chamar-me a ser o máximo do que posso ser e permaneces enviando-me ao mundo, para ser sinal do Teu Jesus e instrumento do Teu Espírito... Mesmo não querendo carregar a cruz do Evangelho na minha vida, abraço-a até saber amá-la e querê-la, pela salvação do mundo.

Fica comigo, meu Pai, e faz vibrar dentro de mim a Tua alegria; acerta o pulsar do meu coração ao Teu e que não deixe de fazer-se em mim, segundo a Tua Palavra. Adoro e Confio.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

"Amados por esse amor eterno,
pressentimos que a nossa resposta é antes de mais abandonarmo-nos.
E assim, uma sede enche a nossa alma:
sede de abandonar tudo em Deus.

[...]

É pelo dom da nossa vida
que Deus espera que em nós se tornem perceptíveis o fogo e o Espírito.
Sim, o seu amor é um fogo.
Por muito pobres que sejamos,
não apaguemos o fogo, não apaguemos o Espírito.
a muito humilde confiança da fé propaga-se como o fogo,
de uma pessoa à outra."
[Irmão Roger de Taizé]

A nossa liberdade, de homens e mulheres criados pelo Amor para amar, é o campo onde se joga o sentido da existência. A liberdade humana abre-nos infinitas possibilidades de realização pessoal e de verdadeira humanização, mas pode tornar-se também o lugar onde nos condenamos a uma vida medíocre e desfiguramos a beleza da nossa dignidade. O sentido radical da existência descobre-se e cumpre-se nas opções que, em liberdade, assumimos.  Apesar dos condicionalismos que colocam o absoluto da liberdade fora do nosso alcance, somos livres e este é dom mais excelente que Deus oferece ao ser humano, na medida em que é sinal de um amor verdadeiro, do amor d'Aquele que deixa o amado crescer e construir-se em liberdade. É comum dizermos que o Senhor tem um projecto de felicidade para nós, é comum dizermos que é necessário aderir a este projecto para encontrarmos a nossa identidade mais verdadeira e promovermos a causa da humanização da pessoa. No entanto, isto só tem um sentido concreto quando percebemos que o projecto que Deus tem para oferecer-nos é um projecto inacabado, na medida em que é na liberdade das nossas escolhas que somos chamados a dar-lhe um rosto único, irrepetível e insubstituível, moldado na estreita comunhão entre cada um de nós, o outro e o Senhor.

A prévia dissertação serve apenas para introduzir uma certeza muito pessoal: quero colocar a minha inteira liberdade na tarefa de aprender a amar, buscando assumir a vontade de Deus como pedra angular do meu caminho. A consciência da minha pobreza, da minha pequenez não me impede de desejar ser de Deus com toda a minha liberdade. E, de um modo muito especial, a minha pequenez impele-me a confiar ainda mais no Senhor, pois nunca poderei chegar a ser o que Ele é sem que seja Ele a mostrar-me o caminho; ainda mais, a caminhar à minha frente. Num tempo de particular confronto com o modo de ser discípulo com outros que não escolhi, num momento em se debatem interesses, vontades e caprichos no seio da comunidade que devo assumir como família, tenho a minha esperança na palavra do Apóstolo:

"Sei em quem pus a minha confiança"
[2 Tm 1,12]

domingo, 2 de maio de 2010

Mãe,

Precisava do teu silêncio e da tua humildade. Queria olhar o mundo e os outros com a tua atenção e ternura. Desejava que o meu rosto e a minha vida transparecessem uma serenidade alegre e confiante como a tua...

Há desafios que nos são colocados e aos quais só podemos responder pondo em questão toda a nossa vida, estendendo os nossos horizontes até ao infinito e confiando, confiando imensamente em Deus. No encontro com Ele, por entre os pequeninos passos que vou dando, descubro esta urgência em apaixonar-me cada vez mais. Viver apaixonado e não ter medo de me abandonar à vontade do Amor: não me deparo com um desafio maior.

Olhar-te, Mãe, é contemplar este desafio tornado vida e perceber que também eu posso chegar a gerar para o mundo o Deus Connosco. Ao contrário do que às vezes penso, isto não significa nem sucesso ou fama, nem poder ou influência. Como em ti, Maria, ser de Deus para dá-l'O a todos é algo que acontece no silêncio e cresce no segredo do coração inteiramente consagrado.

Estou quase certo que também não percebeste tudo isto à partida. Experimentando a perversidade do meu enorme egoísmo e a atracção permanente pelo pecado da soberana auto-sufiência, espero ir saboreando as escondidas vitórias do amor.

Não deixes que eu seja um filho mimado e preguiçoso. Todos os filhos gostam de colo e eu também. Não permitas, porém, que isso seja desculpa para não crescer. Que os teus mimos me tornem um homem que, na sua liberdade, aprendeu a escolher ir para além de si, encontrando nos outros e no Outro a realização plena da sua vida.

Totus tuus, Maria... Inteiramente teu, Maria. E teu, de Cristo...