sexta-feira, 23 de abril de 2010

Não existe verdadeira vida cristã sem contemplação. Entendo a contemplação como aquele simples abrir a vida ao mistério que nunca se deixa alcançar em pleno, mas que pode ser saboreado como presença viva e alegre de Deus em nós. Não se trata de uma atitude beata ou espiritualista. É, antes de tudo, a atitude de quem, não podendo compreender tudo, se abandona na confiança e se deixa surpreender pelo Senhor, na disponibilidade para ser preenchido de luz e de paz.

Hoje, pude contemplar o dom da vida de um amigo. Sentir que o dom da vida e da entrega dos outros é imprescindível para o meu caminho e assumi-lo com alegria traz-me a certeza de que a vida que recebi do Senhor é bela e verdadeiramente digna de ser amada. Ser Igreja é isto mesmo: experimentar a beleza do dom que Deus nos faz ao tornar imprescindível a presença e o testemunho dos irmãos nos passos que vamos dando, rumo àquela unidade que é a comunhão de vida com Ele. No final de mais um dia, basta-me contemplar este mistério de um Deus Amor que encarna na vida de tantos homens e mulheres para fazer brotar, no meio dos seus, o Reino da alegria, da justiça e da paz.

“Que grande é a alegria de viver,
quando se tem a Deus e só a Deus!
Como são pequenos os problemas que a vida nos apresenta,
problemas cuja solução está somente em Deus”
[S. Rafael Báron]

quinta-feira, 22 de abril de 2010

“Abraça o que Deus quer.

Oferece-lhe por entre inquietudes e dificuldades

o sacrifício da tua alma simples que, frente ao que quer que seja,

aceita os desígnios da sua providência.”

[Pe. Teilhard de Chardin, sj]

quarta-feira, 21 de abril de 2010

No fim deste dia, quero partilhar algumas coisas que me têm ocorrido acerca da vocação, nesta semana dedicada especialmente à oração pelas Vocações. Diversas situações e acontecimentos têm-me levado a procurar perceber com maior clareza esta dinâmica entre um amor que chama e desinstala e uma resposta que se concretiza precisamente na experiência mais profunda deste amor. Por vezes, tendemos a interpretar esta linguagem como se amar e ser amado fosse um doce sonho, no qual tudo nos convém e alegra, onde tudo é realização e ausência de dor.

Com muita pena minha, o amor não é nem pode ser isto, e, por conseguinte, Deus não pode querê-lo nem desejá-lo para nós. Esta “felicidadezinha” tem um leve travo a utopia, a desejo nunca concretizável, como se a vida, quando confiada a Deus, fosse um triunfal passeio de fama rumo a um horizonte bem definido e pensado por nós.


A vocação pronunciada por Deus em nós, seja ela qual for, ultrapassa os limites do que pode ser racionalizado e medido. É um verdadeiro salto no abismo, sem que saibamos qual o passo seguinte, no qual só podemos confiar num Amor que, muitas vezes, nos parecerá ausente. A resposta não é dada de uma vez para sempre, e aceitar dizer sim é confrontarmo-nos com as múltiplas resistências que vamos colocando ao projecto de Deus, é enfrentar um mistério de densas trevas que trazemos ancorado no fundo da alma.

Se ficar por aqui, quase parece que ser “vocacionado” é o pior que podemos desejar. Contudo, descobri que a beleza da eleição de Deus, que não deixa ninguém de lado, é a sua imensa gratuidade: na nossa debilidade somos acolhidos por Alguém que deseja levar-nos ao máximo do que podemos ser, Alguém que não tem medo de sujar as mãos, mas que Se dá a Si mesmo e quer comungar do que somos.
Nesta noite de trovoada, encontrei uma analogia que me ajudou a compreender um pouco mais da minha atitude diante deste Deus que ama e chama. Facilmente fico deslumbrado pela luz do relâmpago que rasga o céu e ilumina a noite, mas o forte e sonoro trovão arrepia-me e perturba a aparente calma desta hora. Assim também eu, apesar da beleza dos sinais da graça do Senhor em mim, continuo a resistir à sonora e desinquietante voz de Deus, que pede uma confiança absoluta e uma coragem firme, neste desafio de ser aquilo que Ele quer.

“Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde” [Jo 14, 27]

segunda-feira, 19 de abril de 2010

“Os amigos são a melhor forma de Deus cuidar de nós”

Abri mesmo agora o meu livro de cânticos dos Convívios Fraternos e olho esta pequena citação, escrita a letras vermelhas. Está assinada por um amigo: Fernando. Ontem tive a alegria de celebrar com ele e com muitos outros amigos e irmãos a sua Ordenação de Presbítero.


Foi um dia estranho, no qual a alegria incontida e a inquietude perturbadora foram alternando, percorrendo todos os momentos, configurando os encontros e transportando-me para o futuro, para o dia em que serei eu (se Deus assim quiser e eu também) a receber o dom de ser Padre para a Igreja e para o mundo.

É tão bom partilhar com um irmão e amigo este dom, nunca merecido, de ser escolhido e tomado pelo Senhor para ser repartido e entregue, de modo que outros sejam de Deus e tenham vida em abundância. O testemunho dos outros e, de modo especial, o do Fernando enche-me da esperança que traz a certeza de que o Senhor cumpre as suas promessas e completa o bem que Ele um dia em nós começa. Resta-me pedir um verdadeiro coração de pastor, consciente que na fragilidade do barro de que sou feito pode o Senhor derramar o óleo que, um dia, virá a perfumar toda a Casa.

No início de mais uma Semana de Oração pelas Vocações, surge o desafio de pedir ao Senhor homens e mulheres alegres, decididos, generosos e dispostos a tornarem-se sinal e instrumento do Reino que Deus preparou para toda a família humana. O meu testemunho não converterá ninguém, mas não deixará de ser sacramento da bondade e da ternura do Pai, que pode aproximar do projecto de Deus aqueles que se deixarem tocar por Ele.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"A vida humana é um caminho. Rumo a qual meta? Como achamos o itinerário a seguir? A vida é como uma viagem no mar da história, com frequência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história. Mas, para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia."
[Bento XVI, Spe Salvi 49]

Quero lembrar Bento XVI, que hoje completou 83 anos de vida. Quero trazer à memória os imensos testemunhos de vidas tornadas dom para os outros, testemunhos decididos e generosos de quem compreendeu que a vida se torna cheia de sentido quando é uma verdadeira experiência de amor. É a luz destas pessoas apaixonadas por Deus e pela beleza da vida que d'Ele recebemos que me impele a fazer-me ao caminho com uma alegria e confiança renovadas. Ontem partilhava que, um dia, alguém me disse que a minha memória seria o sustento da minha vocação... Tive a certeza disso quando olhei para trás e compreendi como Deus, através de tantos irmãos e amigos, se tem empenhado em me mostrar como vive apaixonado e como quer que eu viva assim também. 

Volto na segunda... Até lá vou repetindo, no coração, umas palavras do Pe. Teilhard de Chardin que se tornaram, desde ontem, um verdadeiro programa de vida e de fé.

Adora e confia... Adora e confia... Adora e confia... 

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Há razões para a alegria? Creio que sim. Acredito tê-las, mesmo quando o rosto se endurece, o coração esfria e assumo a minha aparente indiferença. Às vezes, tenho a impressão que se torna necessário esconder a alegria que vibra no coração, que devo protegê-la para não ser arrebatada pelas vicissitudes inquietantes dos dias que vou experimentando. Sei bem que é uma contradição, um disfarce mal resolvido para o medo de arriscar dar de mim com uma gratuidade que não tolera cálculos e medidas racionais. A alegria tem que tornar-se contagiante, deve transparecer tão claramente nas nossas vidas que mova outros à mesma experiência.


A propósito disto, acabei de ler um texto que me perturbou seriamente. Transcrevo algumas linhas, as que se mostraram mais interpeladoras da minha vida.

"Não sei bem o porquê de apetecer ficar de braços cruzados, o porquê de uma letargia quente, envolvente, que vicia. Não sei que absurdo fascínio virá da condição de couch potato, da facilidade ridícula de viver através das histórias dos outros – dos livros, dos filmes, dos relatos… Viver de sonhos, daquilo que não é; viver dos sonhos renovadamente adiados. No fundo, saber o que se tem dentro, saber o tanto que se pode ser e fazer. Mas deixar tudo o que germina ao sabor do adiar constante, ao sabor dos vários disfarces - sob os quais está e estará sempre a eternamente infundada justificação de deixar para amanhã, para mais tarde, para quando tiver tempo."
[Ana Rita Neves Lima, http://www.essejota.net/]

 A cómoda inércia que lentamente se instala e toma conta de sucessivas dimensões da nossa interioridade, que progressivamente se estende às relações e chega mesmo a pôr em causa a fé, a relação com Deus e a dedicação à Igreja é um vício. Pela minha parte, considero-me um viciado...
 
"Como ganhar coragem de ser autêntico?
Como deixar o conformismo de tantas justificações
para passar realmente a ser?

Levantar da cama e abrir as cortinas:
do quarto e do coração."

Num dia em que o sono venceu o combate entre ficar na cama e assumir o compromisso de começar o dia a louvar o Senhor com a comunidade, não há palavras mais actuais e desinquietantes...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

"Dizer o que sabemos... Damo-nos conta, quando nos dispomos a fazer a experiência, de que tudo se resume a um reduzido número de certezas.
Certezas que, para mim, são três: o Eterno é, apesar de tudo, Amor; somos apesar de tudo amados; e somos livres, apesar de tudo. Ah! Se eu conseguisse transmitir estas três certezas!"
[Abbé Pierre, Testamento]


Nesta noite, não sei muito mais que isto... Não são precisas muito mais certezas. Se conseguir que estas transpareçam a partir do meu jeito de viver, basta aprender a colocar a minha inteira liberdade ao serviço da Igreja e do mundo. Que assim seja...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Ao rever o meu dia, tentava procurar alguma coisa para partilhar, algo que hoje me tivesse conduzido a tocar a novidade e a alegria de Deus. Depressa percebi que, se pretendia encontrar momentos ou situações extraordinárias, não teria êxito neste empreendimento. Há dias ordinários, aborrecidamente vulgares, nos quais a rotina sobreposta aos pequenos caprichos não satisfeitos quase obscurecem a presença escondida de Deus no âmago da vida e do mundo. Hoje, foi um desses dias...

No entanto, permanecem em mim, com uma força especial, duas perguntas que, em diferentes momentos, escutei e assumi para mim. Partilho-as na ordem inversa à qual as escutei:

- O queremos saber?
[A pergunta de um homem da História].

- O que devemos ser?
[A pergunta de um crente ao serviço da comunidade e da comunhão].

De certo modo, a resposta da segunda questão encontra-se partindo da resposta da primeira. Aquele que adere ao desafio de escavar, remexer, reencontrar-se e redescobrir a própria história não encontrará soluções prontas a usar para enfrentrar o presente e o futuro. Ao perguntar-se o que quer saber, deparar-se-á com as opções assumidas num tempo mais ou menos remoto e que condicionaram com maior ou menor alcance o tempo presente. Da consciência clara destas opções que ultrapassam os limites do momento e configuram, à sua maneira, a história vivida por cada um, pode nascer a resposta à interrogação sobre o que devemos ser. Porque Deus não se coloca no futuro, como meta ou fim, mas faz-se a Si mesmo advento que flui da eternidade para o tempo, o discernimento da vida à luz da sua Palavra faz brilhar uma nova luz sobre o caminho que somos chamados a percorrer. 

Percebi que este caminho é, sem dúvida, um caminho que passa necessariamente pela cultura, porque a cultura humaniza. Na medida em que a cultura na qual estamos enxertados for humanizante, daremos a Deus a oportunidade de nos divinizar, de nos oferecer o dom de sermos semelhantes a Ele. A resposta ao que devo ser terei que ser eu a dá-la, nas opções diárias que, pouco a pouco, far-me-ão nascer de novo para chegar a ser aquilo que Deus é.

"Em verdade, em verdade te digo:
quem não nascer da água e do Espírito
não pode entrar no Reino de Deus.
Aquilo que nasce da carne é carne,
e aquilo que nasce do Espírito é espírito.
Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.'
O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz,
mas não sabes de onde vem nem para onde vai.
Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito."
[Jo 3, 5-8]

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sair do nosso pequeno mundo é um processo difícil e exigente. Implica crescer, amadurecer os afectos e aceitar confrontarmo-nos com os outros e com o mundo, sem que eles tenham que corresponder aos nossos desejos mais imediatos, às imagens que já construimos e que gostamos de designar "perfeição". Sair de nós mesmos é um movimento que nos provoca um medo escondido de não sermos aceites, e, no entanto, só desta forma podemos aproximar-nos do centro do mistério que é o ser humano: ser com os outros e para eles.


Ontem, não me apetecia voltar. Talvez, porque a última semana tenha sido um pequeno regresso ao meu mundo, aos hábitos confortáveis de outros tempos, aos lugares e às relações onde tenho gosto em ser mimado. Este desejo infantil, com que me vou confrontando com maior ou menor frequência, é o mesmo que me faz resistir ainda a acolher aqueles que não se encaixam nas minhas "categorias", aqueles que eu mesmo tornei estranhos ao meu caminhar.

Apesar de tudo, sei que ser de Deus traz consigo a exigência de sair de mim e entrar na dimânica de uma loucura ainda maior que aquela com que o mundo se me apresenta: a loucura do amor. A resposta à loucura de um mundo que não sabe o quer, que desconhece o lugar para onde caminha, um mundo que avança aos empurrões entre o desejo de plenitude e a necessidade de encontrar satisfações imediatas para o coração e para o intelecto, tem que passar pelo amor.

Esta consciência não nega um facto fundamental com que me deparo: estou profundamente enraizado no mundo, padeço das mesmas loucuras e opto pelos mesmos critérios, e tantas vezes tento disfarçá-lo com umas pitadas pseudo-intelectuais de cristianismo. Ainda assim, não esmorece a grande esperança que me anima: ver crescer em mim o dom de Deus, o amor que progressivamente vai dando outro sabor à vida, ao tempo e às relações. Um secreto sabor de eternidade que traz a alegria e a paz. Escutar o Senhor, falar-Lhe de mim, dos meus companheiros de caminho, do mundo, permanecer no silêncio, experimentar a amizade: é aqui que se vai consolidando a certeza da minha "cristificação", que começa desde já.

Hoje, comecei o dia a cantar... Ainda meio ensonado, as primeiras palavras que cantarolei terão sido, talvez, a expressão de um desejo palpitante no coração:

O Reino de Deus é um Reino de paz, justiça e alegria.
Senhor, em nós vem abrir as portas do Teu Reino. ~
[Cântico de Taizé]

domingo, 11 de abril de 2010



Um dia escrevi que se fosse um instrumento musical seria um violoncelo... Gosto particularmente do timbre grave, cujos acordes podem dar expressão aos sentimentos mais paradoxais do coração humano.

Ontem escutei um violoncelo. O momento era propício a saborear a presença do Senhor, que parecia querer abraçar-nos por meio daquela melodia.  Encontrar Deus nas coisas simples: sempre o senti como um enorme desafio. Nem sempre consigo fazê-lo, nem sempre sou capaz de fazer calar o ruído exterior ou interior, de me unificar na dispersão para acolher os toques da graça do Senhor. Porém, sei, porque o experimentei, que Deus não fica à espera que eu esteja preparado para Ele. O Senhor irrompe no meio das coisas mais banais para mostrar o essencial. O necessário é não deixar endurecer os sentidos e o coração, mas permanecer fiel.

"Não sejas incrédulo, mas fiel." [Jo 20, 27]

Despeço-me, por hoje, com um texto cuja mensagem gostava de viver a sério durante os próximos tempos... O trabalho da nossa santificação afinal não é um trabalho nem um esforço pessoal é apenas uma disponibilidade humilde para acolher o dom de Deus e nascer de novo em cada dia, segundo os meios que Ele escolher para moldar o barro frágil de que somos feitos.

Deixemos a Deus o cuidado da nossa santidade...

Ele conhece os meios...
Eles dependem de uma protecção e de uma operação singular da Sua Providência...
Normalmente, estes meios realizam-se sem que os vejamos...
e por isso mesmo nos desagradam...
e nunca são aquilo que esperamos...

Caminhemos em paz nos pequenos deveres da nossa fidelidade activa, sem aspirar aos grandes...
Porque Deus não se nos quer dar pelos nossos cuidados...
Nós seremos os santos de Deus, da Sua graça e da Sua Providência especial...
Ele sabe o posto que nos quer dar...

Deixemo-lo fazer...
... e sem formarmos, daqui em diante, falsas ideias e inúteis sistemas de santidade, contentemo-nos em ama-l'O sem cessar,...
Caminhando com simplicidade pelo caminho que Ele nos traçou...
E onde tudo é tão pequeno aos nossos olhos e aos olhos do mundo... [ANÓNIMO DO SÉC. XVIII]

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Na Eucaristia, hoje de manhã, houve um apelo da Liturgia da Palavra, presente quer nos Actos dos Apóstolos quer no Evangelho de Lucas, que me chamou a atenção de modo muito especial: o ser testemunha de Jesus e da experiência viver em comunhão com Ele.

Vós sois as testemunhas destas coisas. [Lc 24, 48]

Como a Palavra não permanece encerrada na letra, mas encarna na vida dos que a escutam pela acção do Espírito, o final deste dia iluminou esta dimensão que, pela manhã, me interpelou. Estive à mesa com duas pessoas muito especiais, partilhando os meandros dos diferentes caminhos percorridos por cada um e tentado perceber como crescer para uma maior felicidade. Acolher o testemunho dos outros, daqueles que implicam a vida no caminho da fé, é acolher a certeza de que Deus se torna a nossa força através dos que nos confia como irmãos e companheiros de aventura. Nesta aventura da fé não serve de nada falar de felicidade se a vida não mostrar que vale a pena empenharmo-nos nesta relação com o Senhor, cuidando dela com ternura e paciência. Esta felicidade que nasce da consciência de pertencermos a Deus, por vezes tão escondida e com aparências de fracasso ou inutilidade, constrói-se confiando no Amor e tendo coragem de optar radicalmente por colocá-lo em tudo, no segredo de um coração ainda dividido entre a vontade de se entregar inteiramente e a necessidade de salvar os próprios interesses. 

Como o Senhor não se cansa de falar-nos, mesmo no meio da nossa dispersão, termino o dia recordando as palavras que recebi, tão oportunamente, por meio de uma simples sms: 

"Mantém-te firme no que já alcançaste;
sê constante no que fazes;
não desanimes no caminho,
corre veloz, com passo leve e sem tropeçar;
que nem a teus pés o pó se apegue;
avança seguro, alegre e jovial,
no caminho da felicidade,
não acredites nem confies
em quem te tentar desviar deste propósito;
ultrapassa todo o obstáculo do caminho,
e sê fiel ao Altíssimo
no estado de perfeição
a que te chamou o Espírito Santo"
[Santa Clara de Assis]

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O que é este óleo da alegria com o qual foi ungido o verdadeiro Rei, Cristo? Os Padres não tinham qualquer dúvida a este respeito: o óleo da alegria é o próprio Espírito Santo, infundido sobre Jesus Cristo. O Espírito Santo é a alegria que vem de Deus. A partir de Jesus, esta alegria se derrama sobre nós no seu Evangelho, na Boa Nova de que Deus nos conhece, que Ele é bom e que a sua bondade é um poder superior a todos os poderes; que somos queridos e amados por Ele. A alegria é fruto do amor. O óleo da alegria, que foi derramado sobre Cristo e dele passa para nós, é o Espírito Santo, o dom do Amor que nos torna felizes porque existimos. Porque conhecemos Cristo e, em Cristo, o verdadeiro Deus, sabemos que é bom ser homem. É bom viver, porque somos amados. Porque a verdade mesma é boa.

Bento XVI, Missa Crismal, 1 de Abril de 2010

O mistério da alegria estampada no rosto do Ressuscitado persenti-o, hoje, no silêncio. Junto do Sacrário, pela manhã, bastou-me olhar o Senhor. Procurei fazer chegar ao coração o que dizia com os lábios,

Como poderá um jovem manter puro o seu caminho?
Só guardando as tuas palavras. [Sl 119, 9]

Permaneceu o silêncio, um silêncio alegre e confiante, um silêncio que é sinal da presença do Espírito do Senhor. Talvez este silêncio fosse a interpelação a não esquecer que também fui ungido com o óleo da alegria, para ser enviado a ungir os meus irmãos com esta mesma alegria, através dos pequenos gestos e palavras de todos os dias. Não sei se serei capaz. Sinceramente, não me importa sabê-lo. Quero-o com o coração, e estou certo que, se eu deixar, o Senhor far-me-á capaz...

Fica um desafio de Ressurreição, que o meu Prior fez questão de destacar no final da Eucaristia:

Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto,
onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.
Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
[Col 3,1-3]

terça-feira, 6 de abril de 2010

O Tempo Pascal é favorável a repetir uma vez mais o apelo da Igreja, na voz de João Paulo II:

Precisamos de Santos...

Creio que desvalorizamos demasiado este tempo no qual a Igreja nos propõe uma experiência mais profunda do mistério da Ressurreição do Senhor, a experiência alegre de uma vida nova, que não podemos alcançar plenamente agora, mas já saboreamos no coração, quando amamos e somos amados.

Continuamente, ao longo de dois mil anos, os cristãos – especialmente os santos – fecundaram a história com a experiência viva da Páscoa. A Igreja é o povo do êxodo, porque vive constantemente o mistério pascal e espalha a sua força renovadora em todo o tempo e lugar. A Páscoa não efectua qualquer magia. Assim como, para além do Mar Vermelho, os hebreus encontraram o deserto, assim também a Igreja, depois da Ressurreição, encontra sempre a história com as suas alegrias e as suas esperanças, os seus sofrimentos e as suas angústias. E todavia esta história mudou, está marcada por uma aliança nova e eterna, está realmente aberta ao futuro. Por isso, salvos na esperança, prosseguimos a nossa peregrinação, levando no coração o cântico antigo e sempre novo: «Cantemos ao Senhor: é verdadeiramente glorioso!» [Bento XVI, Mensagem Urbi et Orbi, 4 de Abril de 2010]

Este dia trouxe-me pequenas graças que me orientaram para a urgência de viver como alguém ressuscitado. O silêncio alegre e orante de algumas pessoas que se deram a Deus, a busca serena mas empenhada por um lugar na Igreja e no mundo de alguém que me é querido, o final de um dia que parecia não querer acolher a quietude e a escuridão da noite, foram sinais de uma vida diferente... Houve rostos, próximos ou distantes, que deixaram transparecer traços de Ressurreição, rostos alegres e decididos, vidas que não têm medo de avançar no desafio de procurar Deus...

A santidade da Igreja começa aqui, na coragem de querer ir mais longe e mais fundo, na confiança de quem sabe que o amor do Senhor Ressuscitado é maior que a pequenez das nossas hesitações e limites. Preciso de querer começar a ser santo. Disto depende também o crescimento do Corpo, no qual, em união com os irmãos que me deu o Senhor, se vai gerando o Cristo total, o mesmo que me dá vida ao chamar-me pelo nome...

Precisamos de Santos sociáveis, abertos,
normais, amigos,
alegres e companheiros.


Precisamos de Santos que estejam no mundo;
e saibam saborear as coisas puras e boas do mundo,
mas que não sejam mundanos. [João Paulo II, Carta aos Jovens]

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.»" Lc 1, 38

Estas palavras deram início a uma nova história. Uma história que geraria o Homem, na verdadeira medida do seu significado pleno. Foram a resposta pronta de uma jovem de Nazaré a um desafio inaudito: fazer brotar no meio da humanidade a Palavra de Deus feita rosto, palavra e gesto humanos. Não tenho a certeza de que Maria conhecesse a enormidade da sua resposta quando disse ao Anjo o seu "faça-se em mim"... Contudo, estas primeiras palavras da nova humanidade definiram um caminho concreto, traçaram uma linha de intenção para os novos homens e mulheres: acolher o dom de Deus, tornando-o vida na experiência exigente da existência...

Este desafio sinto-o também em mim... Por vezes, parece-me escutar a voz do Senhor que me pede apenas uma resposta configuradora de um caminho partilhado com Ele, que rasgue os meus pequenos horizontes e os estenda para além dos limites do espaço e do tempo. Hoje, não creio que Deus precise dos meus sacrifícios, das minhas intenções de santidade e pureza, das minhas orações bonitas ou das aparências de bem e conversão.
Persinto o Senhor a pedir-me mais, imensamente mais... Mas um mais que é também menos: menos aparência, menos auto-sufiência, menos extensas listas de atitudes que terei que assumir. No meu tempo e no lugar em que estou agora, Deus pede-me que viva com intensidade os meus dias, que coloque o coração naquilo que faço e digo, saboreando por dentro as graças que Ele quiser conceder-me.

Aqui, gostava de partilhar esta experiência de viver com o coração desperto para acolher o dom de Deus, neste que é um desafio verdadeiramente eclesial. Deus deixa-Se mesmo encontrar e tocar no caminho para o outro: ser Igreja é também responder com entrega confiante à Palavra do Senhor, que fala e age na vida dos seus filhos, para que outros sejam de Deus... Vem-me à memória a Palavra de Jesus que desejo que configure a minha experiência de fé e de vocação:

por eles totalmente me entrego, para que também eles fiquem a ser teus inteiramente, por meio da Verdade (Jo 17,19).

No meio da fragilidade que me é tão própria, por entre as vicissitudes da minha história, quero deixar que seja o Senhor, na força do seu Espírito, a repetir persistentemente no meu coração a resposta do amor:

faça-se em mim, segundo a tua Palavra...