domingo, 1 de março de 2009

"Voltai-vos para Deus"...

"Deus não se cansa de retomar o caminho connosco. Podemos acreditar que uma comunhão com ele é possível e assim nunca nos cansamos de, também nós, retomar sempre de novo o combate. Não perseveramos para nos apresentarmos diante de Deus com o nosso melhor aspecto. Não, aceitamos avançar como pobres do Evangelho, que se confiam à misericórdia de Deus."

Irmão Alois de Taizé
Quaresma. Vêm-me à memória cinco imagens: a cruz que trago comigo, uma conversa no carro, um menino a sorrir, uma mulher deitada na rua e um livro do Abbé Pierre...

1. A Cruz. É interessante como já recebi duas cruzes daquelas mãos; esta foi oferecida depois de uma missa fora de horas e de uma conversa (quase um monólogo) sobre a minha vida e a minha vocação, com jovens universitários, em missão. Convidaram-me para ir falar sobre a presença de Cristo no meu caminho e a minha resposta à sua entrega de amor. Fez-me bem fazer memória dos inúmeros acontecimentos que se tornaram "sacramentos" de Deus em mim; acima de tudo, fez-me bem redescobrir a simplicidade do testemunho, aprendida no olhar dos que me escutavam e na intimidade da celebração eucarística.

2. A conversa. Era a última noite em casa, depois do Carnaval, e, numa conversa a três percebi como andava com um défice de autenticidade na minha vida. Quando o objectivo era resolver o défice de presença junto de duas pessoas essenciais para mim, elas lembraram-me como é fundamental ser fiel a mim mesmo e Àquele que me chamou, mesmo que isso implique ser diferente.

3. O menino. Diziam-me elas que imensas pessoas ficavam surpreendidas com aquela imagem de Jesus menino a sorrir. Eram três mulheres, irmãzinhas de Jesus, congregação feminina que segue a espiritualidade de Charles de Foucauld, e cujo carisma é serem presença de Cristo e da sua Igreja, no meio da realidade do homem, de forma pobre e humilde. Ouvimo-las falar do conceito de deserto, na linguagem espiritual, como forma de viver a Quaresma. Uma vez mais, ouvi-O chamar-me a atenção para a "irradiação eucarística" e para a "unidade do Cristo total", conceitos que me tocam de forma especial...

4. A mulher. A princípio nem reparei nela; depois, através de alguns colegas que se aproximaram dela, dirigi-me também até ao lugar onde ela estava. Disse-me o seu nome e explicou-me que estava a dormir na rua como forma de protesto, apesar de ser uma mulher doente, por que, em vão, tinha esperado demasiado tempo por uma indeminização que nunca chegou. Tentámos demovê-la do protesto, falámos da falta de dignidade da situação, não serviu de muito. Chocou-me a forma como todos desviavam o olhar daquela mulher; começava, então, a caminhada que dava início à Eucarístia, com a Liturgia da Palavra durante a subida do monte. Interroguei-me se as pessoas, que entusiasmadas caminhavam escutando a Palavra, não terão deixado ficar Cristo, sofrendo naquela mulher, no princípio do caminho.

5. O livro. Vindo directamente do Coração de Deus, de um mendigo que montou lá a sua tenda, recebi um livro do Abbé Pierre, cujo título é "Obrigado Senhor". De vez em quando, vou passando os olhos por aquelas páginas e, num destes dias, descobri a "desilusão entusiasta"; percebi como Deus nos desilude, nos limpa da ilusão que são as imagens que vamos criando d'Ele, de nós próprios e dos outros. Deixo-vos uma frase especial: "Sabei de vez em quando apagar tudo/ para que as estrelas voltem".

É por aqui que vai passar a minha quaresma. Deixando que Ele destrua as ilusões, para viver uma autênticidade humilde; acompanhando-O ao deserto, para me deixar inundar de um silêncio orante e operante; descobrindo-O no outro, para aprender d'Ele o serviço à comunhão e à verdade. Tudo isto de forma fiel e confiante. É apagando as luzes artificiais que fui colocando em mim, luzes que tantas vezes me incandeiam, que redescobrirei a beleza da luz das Suas estrelas.

1 comentário:

  1. Já alguns dias que tinha lido o post, ávido de te melhor conhecer, nessa tua vertente profundamente religiosa, próxima de Deus. Hoje, voltei a relê-las e aquela frase de Abbé Pierre "Sabei de vez em quando apagar tudo/ para que as estrelas voltem" tocou-me em particular e tu percebes a razão. Bjs e obrigado por me iluminares com as tuas palavras sensíveis e humildes.

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